Brasao TCE TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO TOCANTINS
GABINETE DA 2ª RELATORIA

   

11. VOTO Nº 266/2022-RELT2

11.1. Em apreciação, Representação formulada pela Segunda Diretoria de Controle Externo (2ª DICE) acerca do Portal da Transparência da Prefeitura Municipal de Aliança do Tocantins, sob responsabilidade do senhor Elves Moreira Guimarães – gestor, em razão do descumprimento da Lei da Transparência, que alterou a Lei de Responsabilidade Fiscal, e a Lei de Acesso à Informação, no que diz respeito, especificamente, a disponibilização, em desconformidade com a legislação, das informações quanto às despesas e receitas do ente em comento no Portal da Transparência constante da Internet.

11.2. Prescrevem os artigos 48 e 48-A da Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, e o artigo 8º da LAI, quais as informações deverão ser publicadas na internet, quem deverá publicá-las e o formato da publicação, visando a transparência da gestão fiscal advinda do próprio Estado Democrático de Direito. Vejamos:

Art. 48. São instrumentos de transparência da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.

§ 1º A transparência será assegurada também mediante:

[...]

II – liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público; e

§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disponibilizarão suas informações e dados contábeis, orçamentários e fiscais conforme periodicidade, formato e sistema estabelecidos pelo órgão central de contabilidade da União, os quais deverão ser divulgados em meio eletrônico de amplo acesso público.

[...]

§ 4º A inobservância do disposto nos §§ 2o e 3o ensejará as penalidades previstas no § 2o do art. 51.

§ 5º Nos casos de envio conforme disposto no § 2o, para todos os efeitos, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios cumprem o dever de ampla divulgação a que se refere o caput.

Art. 48-A. Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os entes da Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações referentes a:

I – Quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização, com a disponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório realizado;

II – Quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referente a recursos extraordinários.

Art. 8º É dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas.

[...]

§ 2º Para cumprimento do disposto no caput, os órgãos e entidades públicas deverão utilizar todos os meios e instrumentos legítimos de que dispuserem, sendo obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet).

11.3. Para melhor compreensão da norma, o Decreto nº 10.540/2020 conceitua “liberação em tempo real” e “meio eletrônico que possibilite amplo acesso público”, a saber:

Art. 2º [...]

§ 2º Para fins deste Decreto, entende-se por:

[...]

IX – disponibilização de informações em tempo real - a disponibilização das informações até o primeiro dia útil subsequente à data do registro contábil no Siafic, sem prejuízo do desempenho e da preservação das rotinas de segurança operacional necessários ao seu pleno funcionamento;

11.4. Como se pode constatar, a eficiência do controle sobre as receitas e despesas públicas, seja ele social ou externo – a cargo dos Tribunais de Contas, está condicionada ao cumprimento do dever da Administração em dar publicidade aos seus atos como forma de prestar contas de maneira transparente, clara e objetiva também à sociedade, sendo esse princípio da transparência um dos pilares mais relevantes da Lei de Responsabilidade Fiscal e da Lei de Acesso à Informação.

11.5. Sobre publicidade, destaco as considerações da Ministra Carmem Lúcia na Medida Cautelar concedida no Mandado de Segurança nº 26920/DF, senão vejamos:

Como afirmei em escrito sobre aquele princípio [da publicidade], "não basta, pois, que o interesse buscado pelo Estado seja público para se ter por cumprido o princípio em foco. Por ele se exige a não obscuridade dos comportamentos, causas e efeitos dos atos da Administração Pública, a não clandestinidade do Estado, a se esconder do povo em sua atuação. A publicidade (...) é que confere certeza às condutas estatais e segurança aos direitos individuais e políticos dos cidadãos. Sem ela, a ambiguidade diante das práticas (estatais) conduz à insegurança jurídica e à ruptura do elemento da confiança que o cidadão tem de depositar no Estado. A publicidade resulta, no Estado Contemporâneo, do princípio democrático. O poder é do povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição Brasileira), nele reside, logo, não se cogita de o titular do poder desconhecer-lhe a dinâmica. (...) o princípio da publicidade reforça-se mais ainda em casos como o brasileiro. Tendo sido a República a opção da sociedade brasileira sobre a sua forma de governo, a publicidade passa a fundamentar a institucionalização do Poder segundo aquele modelo. Por isso a publicidade nomeia o Estado brasileiro, que é uma ''República Federativa''. (...) Considerando-se que a Democracia que se põe à prática contemporânea conta com a participação direta dos cidadãos, especialmente para efeito de fiscalização e controle da juridicidade e da moralidade administrativa, há que se concluir que o princípio da publicidade adquire, então, valor superior ao quanto antes constatado na história, pois não se pode cuidar de exercerem os direitos políticos sem o conhecimento do que se passa no Estado. Não se exige que se fiscalize, se impugne o que não se conhece.[1]

11.6. A Análise Preliminar nº 564/2021 (evento 1) foi confeccionada a partir critérios adotados em checklist da Resolução Atricon no 09/2018. A matriz, então, relaciona todos as exigências legais e as classifica, numa ordem crescente de exigibilidade, em “recomendado”, “obrigatório” e “essencial”. 

11.6.1. Tal grau de exigência tem ligação com a razão lógica constante na regra da LAI de que, para Municípios com até 10.000 (dez mil) habitantes, é obrigatória a “ divulgação, em tempo real, de informações relativas à execução orçamentária e financeira, nos critérios e prazos previstos no art. 73-B da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000” (art. 8º, §4º da Lei 12.527/2011). Isto é, os itens classificados como essenciais estão, via de regra, ligados à publicidade de atos de execução orçamentária e financeira.

11.7. No caso concreto, a referida Análise encontrou irregularidades no Portal da Transparência da Prefeitura Municipal de Aliança do Tocantins, dos três níveis, obtendo, inclusive, reconhecimento de que houve elevado grau de cumprimento das regras. Entretanto, por conta da desobediência a 11 (onze) itens considerados essenciais,  12 (doze) itens de exigibilidade Obrigatórias e 10 (dez) itens de exigibilidade Recomendada, o Portal foi considerado pela Equipe Técnica como irregular.

11.8. Assim, é preciso que se observe que o gestor cumpriu os itens de exigibilidade essencila, porém deixou de cumprir os 12 (doze) itens de exigibilidade Obrigatórias e 10 (dez) itens de exigibilidade Recomendada, ou mesmo justificar, os apontamentos sobre elementos intrínsecos aos seus poderes administrativos. Outrossim, restaram cabalmente demonstradas a existência de falhas na disponibilização das informações no Portal da Transparência da Prefeitura Municipal de Aliança do Tocantins, no exercício de 2021.

11.9. O papel sancionatório exercido por esta Corte de Contas deve se lastrear nos princípios insculpidos no art. 22, §2º da LINDB (Decreto-Lei  nº 4.657/42), in verbis:

Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.

§ 2º.  Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.   

11.10. Sobre a responsabilização do gestor e a aplicação de multa, é preciso que se parâmetros insculpidos no Art. 39, parágrafo único, da Lei Orgânica deste Tribunal, qual seja a gravidade da infração, a dimensão do dano, a existência de dolo ou culpa, a reincidência.

11.11. Sobre a gravidade, o item 4.2.7 da Instrução Normativa nº 02/2013 deste Sodalício, no Anexo II, aponta como Gravíssima a “Ausência de transparência nas contas públicas, inclusive quanto à realização das audiências públicas (art. 1º, § 1º; art. 9º, § 4º; arts. 48, 48-A e 49 da Lei Complementar nº 101/2000 – LRF). 

11.12. Sobre a dimensão do dano, este vetor não é parâmetro para o presente caso, pois não houve imputação de débito ao responsável.

11.13. Sobre a existência do dolo ou culpa, trazendo a visão do Direito Penal sobre dolo, como aponta Cezar Roberto Bittencourt, ao apresentar a Teoria Finalista de Hans Welzel, que “dolo, em sentido técnico penal, é somente a vontade de ação orientada à realização do tipo de um delito[2] (grifo nosso). Ou seja, por mais que não se possa imiscuir na mente do gestor, é possível depreender dos autos que a não apresentação dos ajustes ou mesmo de justificativas configura, no mínimo, culpa grave.

11.14. É importante ressaltar que este Tribunal entendeu, através da Resolução paradigma nº 251/2017, que a responsabilidade na primeira etapa da fiscalização dos portais da transparência é do gestor do órgão/entidade, considerando que tinha o dever de disponibilizá-lo.

11.15. Sobre a reincidência, em consulta aos sistemas deste Tribunal, verificou-se que a gestora não foi sancionado anteriormente em relação às irregularidades apontadas na presente Representação.

11.16. Para mais, fixada a conduta, o nexo de causalidade e a responsabilidade do gestor por não disponibilizar, à época da fiscalização, as informações necessárias ao Portal da Transparência de acordo com a lei, impõe-se a aplicação de multa no valor de R$1.000,00 (mil reais), com base nos seguintes precedentes: Processo nº   9183/2018 (1ª Relatoria), Processo nº 9573/2018 (2ª Relatoria), Processo nº 5693/2020 (3ª Relatoria) e Processo nº 6844/2020 (6ª Relatoria).

11.17. SOBRE A CONTINUIDADE DA FISCALIZAÇÃO:

11.17.1. É sabido que esse Sodalício fixou entendimento, em 2017, através da Resolução nº 251/2017, de que os Portais da Transparência devem ser continuamente fiscalizados. À época, face à ausência de formato tecnológico apto a fiscalizar, via sistema, os portais da transparência, optou-se pela utilização do instrumento processual previsto no art. 125-B do Regimento Interno, qual seja, monitoramento, a ser realizado manualmente por servidor designado para tanto.

11.17.2 A posteriori, a ATRICON exarou a Resolução nº 09/2018, em que fixou Diretrizes a serem observadas quando da fiscalização dos portais. Como apontado acima, tais diretrizes indicam, dentre outros aspectos, parâmetros essenciais, obrigatórios e recomendados para o agrupamento dos critérios, definidos em função do seu nível de exigência. Além disso, estabeleceu também a atribuição de pesos a critérios de avaliação dentro de uma Matriz de Fiscalização, a fim de atribuir um índice de transparência para cada jurisdicionado a partir do resultado da matriz.

11.17.3. Desta feita, este Tribunal de Contas desenvolveu sistema informatizado para fiscalização contínua dos portais da transparência (processo SEI nº 20.001485-4), levando em conta as diretrizes da ATRICON, a fim de compor o índice de transparência de cada unidade jurisdicionada, e, a partir daí, utilizar-se dos meios processuais disponíveis ao sistema de controle externo para compelir o jurisdicionado faltoso a cumprir com o dever de transparência, seja através de alerta, de pontos a serem inseridos nas prestações de contas, seja por meio da suspensão de transferências voluntárias, auditorias, inspeções, dentre outras.

11.17.4. Portanto, verificado que este Tribunal atingiu o objetivo proposto através dos monitoramentos até então realizados, porquanto nos inúmeros processos julgados restou demonstrada verdadeira evolução por parte do jurisdicionado na cultura da alimentação do Portal da Transparência, contudo, visando otimizar a efetividade da fiscalização, compreendo que manter a determinação do monitoramento vai de encontro à economia processual, ao aprimoramento da qualidade e da agilidade do controle externo.

11.17.5. Por isso, alerto ao gestor de que este Tribunal continuará realizando a fiscalização e o controle concomitante em relação à publicidade dos atos de gestão fiscal e orçamentária, além dos demais elementos essenciais dos Portal da Transparência. 

 

12. CONCLUSÃO:

12.1. Ante do exposto, VOTO acompanhando o posicionamento da equipe técnica e do Ministério Público de Contas no sentido de que este Tribunal acate as providências abaixo mencionadas, adotando a decisão, sob a forma de Acórdão, que ora submeto à deliberação:

12.1.1. Conhecer da presente Representação formulada pela 2ª Diretoria de Controle Externo, para, no mérito, julgá-la procedente.

12.1.2. Aplicar multa de R$ 1.000,00 (mil reais) ao senhor Elves Moreira Guimarães – gestor da Prefeitura Municipal de Aliança do Tocantins, pela violação aos arts. 48 e 48-A da Lei de Responsabilidade Fiscal; artigo 8º da Lei Federal n° 12.527/2011, pela prática de ato com grave infração à norma constitucional e legal, relativamente a implantação/disponibilização inadequada das informações necessárias ao Portal da Transparência, conforme fundamentação constante do Voto.

12.1.3. Determinar, ao gestor da Prefeitura Municipal de Aliança do Tocantins, com fulcro no que prescreve o inciso II do art. 140 do RI-TCE/TO, que adote medidas de eficácia permanente para assegurar a contínua atualização do Portal da Transparência, conforme as exigências contidas nos arts. 48 e 48-A da Lei Complementar nº 101/2000, Lei Federal nº 12.527/2011, detalhado no checklist padrão utilizado na fiscalização deste Tribunal.

12.1.4. Fixar, nos termos do art. 83, §1º, RITCE/TO, o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da notificação, para que o responsável comprove perante o Tribunal, o recolhimento da multa à conta do Fundo de Aperfeiçoamento e Reequipamento Técnico do Tribunal de Contas, nos termos dos arts. 167, 168, III, e 169 da Lei nº 1.284/01 c/c o art. 83, §3º do RITCE/TO, atualizadas monetariamente e acrescidas dos juros de mora calculados, na forma prevista na legislação em vigor.

12.1.5. Autorizar o parcelamento da multa, caso requerido, nos termos do art. 94 da Lei nº 1.284/2001, c/c o art. 84, §1º, do Regimento Interno, devendo incidir sobre cada parcela, atualizada monetariamente, os juros de mora devidos, na forma prevista na legislação em vigor.

12.1.6. Alertar ao responsável, de que a falta de comprovação do recolhimento de qualquer parcela importará o vencimento antecipado do saldo devedor, nos termos do art. 94, parágrafo único, da Lei nº 1.284/2001, c/c o art. 84, §2º, do Regimento Interno deste Tribunal.

12.1.7. Autorizar, com fulcro no art. 96, inciso II, da Lei nº 1.284/2001, a cobrança judicial da dívida, atualizada monetariamente na forma da legislação em vigor.

12.1.8. Determinar que a Secretaria Geral das Sessões:

a) Proceda a publicação da decisão no Boletim Oficial deste Tribunal, nos termos do art. 27 da Lei Estadual nº 1.284/2001 c/c art. 341, § 3º, do Regimento Interno desta Corte, para que surta os efeitos legais necessários, advertindo-se à representante e ao representado que o prazo recursal inicia-se com a publicação.

b) Dê ciência da decisão, do relatório e voto que a fundamentam à representante e ao representado, por meio processual adequado, alertando à 2ª Diretoria de Controle Externo de que poderá, a qualquer momento, empreender nova análise do Portal da Prefeitura Municipal de Aliança do Tocantins, se assim entender necessário.

c) Expeça ofício ao representante do Ministério Público Estadual da Prefeitura Municipal de Aliança do Tocantins, comunicando-se o julgamento deste processo e indicando que o acesso estará disponível por meio do site do TCE/TO, no link do E-Contas, para que promova as medidas que entender cabíveis.

12.1.9. Após o atendimento das determinações supra, sejam estes autos enviados à Coordenadoria do Cartório de Contas para as providências e, em seguida, à Coordenadoria de Protocolo Geral para que, com as cautelas de praxe, proceda o arquivamento.

 
 

[1] ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios Constitucionais da Administração Pública. Belo Horizonte: Ed. Del Rey, 1993, p. 240

[2] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, 1. 17. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 135.

 

 

 

Documento assinado eletronicamente por:
MARCIO ALUIZIO MOREIRA GOMES, CONSELHEIRO(A) SUBSTITUTO(A), em 09/12/2022 às 16:23:41
, conforme art. 18, da Instrução Normativa TCE/TO Nº 01/2012.
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